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  • Foto do escritorInara Chagas

Angola Janga


Quadrinho premiado retrata o período colonial e a história do Quilombo dos Palmares


Fotografia que mostra uma mão negra segurando um quadrinho. Ele se chama "Angola Janga" e sua capa mostra árvores altas e um grande muro de madeira. Atrás do quadrinho, há uma parede amarela com um nicho com livros.
Foto: Acervo pessoal

Nota das Cartunadas: este texto, diferente da maioria do nosso site, não possui transcrição em áudio por problemas técnicos que estamos enfrentando. Assim que isso tudo passar, iremos incluir a versão em áudio, tudo bem?


Título: Angola Janga

Autores: Marcelo D’Salete

Editora: Veneta

Número de páginas: 432

Ano de publicação: 2017


“Há muito tempo, os primeiros homens e mulheres foram pegos, trazidos nos tumbeiros pelo calunga até esta terra. Cansados, marcados e amedrontados. Abandonados para trabalhar e morrer no engenho. Parecia não haver saída. Apesar de tudo, um grupo fugiu! Cheio de gana… Eles caminharam muitas noites pelo cafundó. Alguns sonhavam em voltar pra terra além do calunga, em Matamba, outros sabiam ser impossível. Depois de muitos dias, chegaram em uma terra protegida, vistosa e fértil. Mata repleta de palmeiras para construir mocambos, terra onde sementes de massango, guando e muito mais podem brotar e florescer” - Tata, Angola Janga. 2017.


A história do povo negro brasileiro não se resume à escravidão, não pode ser contada apenas por meios escritos e muito menos é sobre superação. Sim, a população negra brasileira está em luta e em modo de alerta desde o dia em que pisamos nestas terras, mas nossa trajetória também é sobre o poder do povo unido e com sede de ter história. E é sobre isso que Angola Janga, quadrinho premiadíssimo de Marcelo D’Salete, trata.


Nosso trabalho aqui nas Cartunadas não é ser imparcial, já aviso de antemão. Não há como um projeto idealizado e construído por mulheres negras ser isento ao analisar uma obra que se propõe a retratar um fragmento tão importante da história quanto Palmares é. Então, aos que vieram esperando uma leitura e análise imparcial, sinto muito.


Angola Janga fala sobre a pequena Angola ou simplesmente Palmares, quilombo que existiu por mais de cem anos e foi um dos principais responsáveis por manter pessoas negras escravizadas vivas no Brasil. O romance histórico de Marcelo D’Salete brilha na ambientação de Palmares. Com inúmeras cenas contemplativas e uma riqueza de detalhes nos traços, diálogos e no resgate da história, a obra é uma aula desde o momento em que você abre a capa dura até a última frase.


O quadrinho é dividido por capítulos e, em cada um deles, há um documento histórico/texto introdutório que detalha o período escravocrata. Além disso, ao fim do livro, há um extenso glossário, uma linha do tempo, mapas do Brasil e um grande texto contextualizando a obra no espaço-tempo e tratando de sua relevância. Marcelo D’Salete se debruçou por onze anos em estudos para nos contar esta narrativa de Palmares e, de forma humilde e certeira, afirma que não é a única e tampouco o romance mais importante feito sobre Angola Janga.


Não há muito segredo na história em si, afinal, ela é baseada na história que já conhecemos. Porém, existem alguns pontos a serem destacados. Em alguns momentos, o quadrinista volta ao passado dos personagens e de seus ancestrais, de forma que você compreende as motivações e sentimentos de cada um. Não é uma leitura fácil ou rápida, especialmente se você é uma pessoa negra. Como já mencionei nas Cartunadas, é plausível que minorias sociais não queiram ler enredos de sofrimento, justamente por já carregarem o peso de serem injustiçadas. Entretanto, para quem, assim como eu, aprecia e não se sente prejudicada mentalmente com estas histórias, Angola Janga é um quadrinho nacional de leitura indispensável.


De todas as 432 páginas do quadrinho do D’Salete, as que mais me chamaram a atenção foram as que tratavam de água. Muitos de nós preferiram se jogar no mar do que ter suas origens, histórias e liberdade cerceadas. Trazidos nos tumbeiros, nossa história é marcada pelas águas, pois muitos se tornaram filhos delas sem que tivessem escolha. Afinal, de que vale uma vida se não se pode viver?


Angola Janga nos fala sobre o poder que o povo negro tem se está junto física e emocionalmente. Da importância de nos aquilombar para resistir. De, como até nos dias atuais, precisamos estar juntos para estar unidos. Nossas famílias seguem se aquilombando, morando juntas, se ajudando, repaginando suas vidas. E por assim será por muitos e muitos anos. A escravidão não foi há tanto tempo, como muitos pensam. Nesta geração, muitos de nós tiveram seus avós e bisavós escravizados ou filhos de escravizados, pois sabemos que uma assinatura em um papel não foi suficiente para nos trazer de volta a liberdade e direito de existir e ser humano. Até hoje, lutamos por direitos que vão desde às cotas nas universidades até ao direito de não ser perseguido em uma loja de departamento.


Esta foi apenas a primeira de muitas das leituras que farei de Angola Janga, pois este é o tipo de obra que se lê várias vezes e, em cada uma delas, uma nova história é contada. História não de um local, mas de um povo. De Zumbi, Dara, Una, Katanga e muitos que ficaram. Nós somos Angola Janga. E resistimos.


Nota: 5/5


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