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Resenha Pretos em Campo: Associação Atlética São Geraldo


Futebol, ancestralidade e história de São Paulo juntos em um só quadrinho


Fotografia que mostra uma mão negra segurando um quadrinho. Ele é azul. Sua capa diz "Pretos em Campo: Associação Atlético São Geraldo" e mostra quatro crianças sorrindo, com uniforme preto e branco de futebol, com um deles segurando uma bola. Ao fundo do quadrinho, há uma parede amarela e um nicho preto com livros.
Foto: Inara Chagas

Nota das Cartunadas: este texto, diferente da maioria do nosso site, não possui transcrição em áudio por problemas técnicos que estamos enfrentando. Assim que isso tudo passar, iremos incluir a versão em áudio, tudo bem?


Título: Pretos em Campo: Associação Atlética São Geraldo

Autores: Aline Pizzol, Everton C. Apolinário, Marcuz Vaz Ecléssi e Homem Saudade

Editora: Independente

Número de páginas: 80

Ano de publicação: 2022


— Eu vi um menino entrando no estádio com o pai, mas a gente não podia nem ficar perto dos muros. Parece que nós não éramos bem vindos…

— Filho… Eu sinto muito que vocês tenham passado por isso. Infelizmente, nós enfrentamos situações todos os dias, e não é só nos estádios. Nas ruas… Durante o trabalho, durante a nossa diversão… Durante o samba. Nós sempre passamos por isso. Mas nós também resistimos! O nosso festival faz parte disso. Com as doações poderemos ajudar o seu Arlindo… Como comunidade a gente consegue apoiar cada um do nosso bairro, e formar nosso próprio quilombo.


Falar sobre futebol costuma ser um desafio quando se é mulher negra e LGBTQIAP+. Sendo sincera, não tenho boas memórias com o esporte mais popular do mundo. Meu primeiro pensamento ao falar sobre futebol é em torcidas racistas, homens performando uma masculinidade frágil e artificial aos berros e uma aversão a qualquer pessoa que simplesmente fuja do padrão homem hétero-cis. Isso não deixa de ser um preconceito da minha parte, mas também são sentimentos genuínos, uma vez que sabemos que é mais ou menos isso que acontece.


Mas também preciso relembrar aqui o papel do futebol enquanto aliado e protagonista de pautas progressistas que nos custam muito. E quando as torcidas organizadas se juntaram pela democracia? Ou quando se aliam para arrecadar alimentos e brinquedos para as famílias mais necessitadas? Ou mesmo sobre como o esporte tem uma ligação fortíssima — e complexa — com o povo negro e as classes sociais menos favorecidas? É um longo e importante debate.


Pretos em Campo, do coletivo Ludo Griô, resgata a história do time São Geraldo, de São Paulo, e me fez refletir sobre, dentre outros pontos, a minha relação com o futebol — o que já é um desafio, porque nem torcer pra algum time eu torço, rs. Então, preciso dizer que, se você esperava uma resenha de alguém que sabe e tem prazer em qualquer prática esportiva, está no lugar errado. Porém, se você é uma pessoa negra, que mora ou nasceu na capital paulista e/ou gosta de futebol, recomendo seguir a leitura.


Não sou a maior entusiasta da metrópole, mas Pretos em Campo me despertou sentimentos bonitos sobre a cidade de São Paulo. Com três crianças como protagonistas, o quadrinho aborda parte da história do São Geraldo, o próprio passado de São Paulo, a ligação do povo preto com a bairro Barra Funda, o entendimento da criança para mais do que um ser humano “sem direitos e anseios”, o racismo vivenciado naquela época e figuras negras importantes para a nossa história. Ufa!


Falando sobre a edição da HQ Pretos em Campo, alguns pontos me chamaram a atenção. A escolha pela capa dura e o quadrinho em um tamanho maior foi, ao meu ver, assertiva, pois facilita a conservação da obra e proporciona uma maior imersão no enredo (ainda mais entendendo que o quadrinho também tem a proposta de ser usado em escolas, e sabemos que crianças e adolescentes se distraem facilmente e têm dificuldade em conservar livros e outros pertences).


As letras e balões de fala do quadrinho também são grandes e legíveis, o que facilita a leitura tanto das crianças como de quem tem visão reduzida ou particularidades na leitura. O único ponto que me deixou curiosa foi a primeira página ser a esquerda em vez da direita, mas imagino que deva ter ocorrido para preservar páginas duplas e afins. O traço me chamou a atenção por, ao mesmo tempo, preservar lugares históricos da cidade e do próprio São Geraldo, mas também por ter um ar mais “infantil”, com olhos grandes, rostos bem redondos e uma certa distorção da imagem, como se, em alguns momentos, estivéssemos vendo sob uma lente angular (aquelas famosas “olho de peixe”).


Porém, o que realmente fez os meus olhos brilharem ao ler Pretos em Campo foram as últimas páginas, recheadas de informação e estudos sobre São Paulo e a organização do povo preto na época do São Geraldo. Tudo na obra foi pensado: a ambientação, os nomes dos personagens, os locais da cidade, as narrativas escolhidas… Enfim, um quadrinho que fica como lição para sempre valorizarmos a história e quem chegou antes de nós, mas também para que, com um olhar crítico, consigamos não apenas pensar na possibilidade de um futuro negro, mas um futuro negro possível, acolhedor e comunitário.



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